Vidas Secas – Resenha

Quarto livro publicado do alagoano Graciliano Ramos, romancista brasileiro nascido no final do século XIX, Vidas Secas foi difícil pra mim. Embora tenha lido o livro em cerca de duas sentadas, o peso posterior da obra, o final e o capítulo nono, um verdadeiro pesar, se tornaram complicações na minha vida. Tanto é a demora em escrever uma resenha dele, e até mesmo a demora em conseguir ler outro livro. Não falo daquela dificuldade “acadêmica”, ou “intelectual” que algumas vezes são colocadas sobre os livros mais antigos como um véu de seleção para testar os que podem e os que não podem ler a obra. Mas a dificuldade de quando a literatura de ficção se traveste em realidade e você fica na dúvida do que está lendo.

Não vou dizer que a linguagem é fácil, não é. É um livro sobre o nordeste, e é nordestino. O que eu quero dizer com isso? A não ser que você seja nordestino, e talvez de forma mais específica do sertão, a linguagem coloquial e regionalista pode se tornar um pequeno obstáculo, mas sinceramente? Coisa besta e que só demonstra a riqueza desse português. Seria a mesma coisa de alguém de fora lendo um livro nortista, ou eu lendo um livro sulista, etc. O ponto é que o modo como Graciliano escreve Vidas Secas é direto, é regional, é simples… E por isso mesmo, não tão fácil. É como se ele não estivesse tentando simplesmente retratar uma história fictícia que se passa no sertão, mas relatar uma história. E como muitos comentam, sobre quando falam desse livro, quantos Fabianos e Sinhás Vitória ainda não existem até hoje? O quanto nós, que não vivenciamos essa vida do sertão – e isso inclusive serve pra zona da mata nordestina, que é outra realidade – podemos medir em Vidas Secas o que é real e o que é fictício?

 A sinopse já é quase de conhecimento cotidiano, dada a relativa antiguidade da obra: a narrativa de uma família do sertão fugindo da seca castigante. E também enfrentando a enchente. O modo como a narrativa é construída por Graciliano é interessante, não é necessariamente sequencial, embora tenha uma progressão temporal linear, e também é contada pelo ponto de vista de cada um dos membros da família, incluso a cadela Baleia, a o ponto de luz de vivacidade no meio das vidas secas dos outros personagens. Depois lendo sobre a obra em si, e a vida dele, descobri que na verdade eram contos soltos, e que o ponto de partida original foi exatamente o capítulo nono sobre a Baleia. Sem sombra de dúvidas o melhor capítulo de todo o livro.

E, provavelmente, um dos melhores que eu já li na vida.

Vidas Secas não é apenas um conto sobre a vida no sertão nordestino, em muitos pontos, e nos momentos finais do livro, é uma denúncia. Uma denúncia contra a apatia política pelos nossos iguais tanto nossa quanto dos nossos governos, quanto a distribuição desigual dos recursos no país, quanto a própria posição social e cultural a qual muitos relegaram e ainda relegam os nordestinos, que literalmente construíram esse país e ainda o constroem – e também os nortistas, porque preciso alfinetar sobre minha terra. Não tem como não ler Vidas Secas e não se indignar pensando que o livro, com mais de 70 anos de lançado, ainda reflete em boa parte a vida no sertão. A luz chegou, a televisão entrou nas casas, mas e o saneamento? E o abastecimento? E a qualidade de vida? Sabe-se que o clima não é dos melhores, mas será que nós, seres tão “inteligentes” não somos capazes de pensar em soluções para nossos problemas? Será que com mais investimentos decentes eles próprios não poderiam desenvolver as soluções para os problemas que os atingem diretamente?

Era pra ser uma resenha, mas foi mais do que isso. O que só mostra o quão fantástica é essa obra. Não dá pra se manter apenas no aspecto literário de Vidas Secas.


Vidas Secas

Graciliano Ramos

175 páginas

Editora Record, 2005

5/5

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