Brasileiro não gosta de ler?

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Eu ia postar sobre um assunto completamente diferente, mas senti a mão coçando pra escrever alguma coisa sobre mercado literário brasileiro e, mais especificamente, sobre hábitos de leitura dessa pátria amada. Digo de antemão que esse não é um artigo procurando ilustrar a realidade brasileira, é muito mais uma reflexão cheia de achismos. O pulo do gato pro post veio desse aqui do Luís Schwarcz, no blog da Companhia das Letras, que aliás confesso que fiquei boquiaberta ao vê-lo se expressar de forma tão crua sobre as editoras e seu desprestígio com os novos leitores – ou uma classe de leitores que não os “cultos”.

Quem nunca ouviu a expressão que “Brasileiro não gosta de ler”? Tem tantas pesquisas por aí, que nem me dou ao trabalho de ir procurar pra mostrar pra vocês e justificar.

Tá dizendo que isso é verdade, então?

Não, não é.

Brasileiro lê pouco. Isso sim é verdade. Tanto é que uma das principais razões porque os livros são tão caros aqui se dá pela baixa tiragem que as editoras produzem, o custo total da produção – que não é barato – recaindo sobre uma quantidade pequena de exemplares (Lembra lá do que a professora de matemática dizia sobre frações com numeradores grandes e denominadores pequenos?). Ao contrário de muitas outras coisas no país, dessa vez a culpa não está nos impostos. Não totalmente, pelo menos. É frustrante, mas compreensível quando lembramos que, em primeiro lugar, editoras são empresas, e empresas querem lucro. E como ter lucro quando “brasileiro não gosta de ler” né? Ou seja, é mais fácil trabalhar com riscos baixos. Dos males o menor.

Só que a realidade mudou.

E com a Bienal de São Paulo desse ano, as editoras tomaram um susto ao se darem conta de que, HEI!, existe sim um mercado literário forte e em expansão no Brasil. Puxado pelos jovens leitores, por aqueles que durante muito tempo era dedicado apenas uma estante pequena nas livrarias, ou pior, que poucas editoras davam-se ao trabalho de atender aos anseios. Então aí, vos pergunto, se brasileiro não gosta de ler, como explicar isso?

O ponto é que não é que brasileiro não gosta de ler. Ele não foi habituado a isso. Como ler com livros tão caros? Grande parte voltados para uma elite intelectual já consolidada? Como ler quando não há bibliotecas decentes na escola? Local onde a maioria tem os primeiros contatos com literatura? Como ler quando não há projetos voltados para a literatura? Como ler quando a renda é tão baixa e há tanta pobreza que livro é artigo de luxo?

Em suma: como ler sem que haja incentivos?

É claro que “brasileiro não gosta de ler” desse jeito. Nenhum brasileiro, aliás.

A mudança ocorreu quando o governo se deu conta de que ler não é uma questão de dom, de hobby, de privilégio. Não é uma questão de mérito, é uma questão de política pública! Foi preciso incentivo do Estado para que essa roda girasse de outro jeito. Foi preciso começar um grande movimento de democratização da leitura, que agora começa a dar seus frutos. Assustar as editoras é só o primeiro passo. Propagar a ideia de que ler não te torna melhor do que ninguém, é outra que precisa acontecer (abaixo aos almofadinhas literários!). Valorizar a leitura é preciso! Valorizar não apenas os clássicos, mas os novos também. Valorizar a força da literatura nacional atual, em vez de mofar os alunos com clássicos porque é bom e só isso que presta. Valorizar, também – e porque não? – a literatura feita por mulheres!

É preciso tirar a literatura da elite e dá-la a todos como direito universal.

22 comentários sobre “Brasileiro não gosta de ler?

  1. Renata Menezes disse:

    Ao mesmo tempo que a não leitura causa livros caros, os livros caros causam a não leitura. Mas veja só, passamos o dia inteiro lendo coisas na internet, onde tem, também livros de graça (além dos blog de escritores underground) e isso é lindo! 🙂

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    1. Alessandra Bastos disse:

      Hahahahaha, sim Renata. Esse é o paradoxo que a gente tá vivendo! Eu também leio muita coisa online, mas escritores – apesar de publicar por prazer – também precisam de dinheiro. E ainda que eles não fiquem com a maior parcela do bolo na venda dos livros, é daí que eles ganham. O mercado literário é uma indústria e os escritores são os operários, infelizmente :/
      Obrigada pela visita! 😀

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      1. Alessandra Bastos disse:

        Sim! Isso é verdade mesmo! Eu mesma lia algumas que já tiveram livros publicados! Uma pena que a produção seja cara, se fosse mais barata, com certeza o cenário seria outro, sabe? Mais acessível e melhor para os escritores.

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  2. Cecília Maria disse:

    Aplausos para esse post, falou por mim e provavelmente por todos os leitores (sem verba) desse país. Leia da demanda e da procura, a gente aprendeu na escola, faz parte, faz sentido. Tudo nessa vida é questão de hábito, de incentivo, com a leitura principalmente.
    Beijo

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    1. Alessandra Bastos disse:

      Sim! As pessoas falam como se fosse uma coisa fatalista, que não tivesse jeito, sabe? Tem jeito sim! Precisa um esforço, claro, mas que tipo de cidadãos seríamos sem tentar mudar o rumo das gerações futuras? O que importa é plantar a semente da leitura! 😀 Obrigada pela visita, Ceci! :*

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  3. Mari Mari disse:

    É porque antes não existia esse mercado literário com o público alvo jovem, por isso que pouco se lia. É lógico que não quero generalizar, e que existem exceções na “regra”, mas antes a juventude não lia nada, e agora lê Divergente e a Culpa é das Estrelas. É claro que, em alguns casos, e talvez nem sejam poucos, isso acaba se estendendo para outros tipos de leitura, mas em muitos casos a pessoa fica presa na linha “crepúsculo-house of night-hush hush – e qualquer outra coisa que siga o estilo”. Não vejo grande vantagem nisso. Afinal, ler não se trata de ser qualquer coisa. Não dá pra se dizer cinéfilo se seu filme favorito for American Pie.

    obs: Só pra responder seu comentário lá no blog, amo-sou o Cansei de ser Nerd, e fico muito feliz que vc tenha encontrado meu blog por lá. E quanto ao meu post pessoal, qd vc disse que “o problema de gostar muito de filmes é esse, nossa vida parece tão desinteressante perto deles, é como se fizéssemos pouco, por mais que a gente se esforce em tentar fazer mais e mais.” – é exatamente o que eu quis dizer. Gata, vc resumiu o sentimento! kkkk

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    1. Alessandra Bastos disse:

      HAHAHAHAHAHAHA ai que bom que consegui te entender então ❤ pra vc ver que não está sozinha nessa desilusão da vida real T_T
      Bom, sim tem a qualidade da leitura também, né? Eu acho que o primeiro passo é fazer as pessoas lerem, acho que depois, o próprio gosto pela leitura vai fazendo com que as pessoas procurem novos desafios, sabe? Leituras mais críticas, mais variadas… Mas o gosto pela leitura tem que ser o primordial. E também precisa, evidentemente, dos incentivos. Sem eles não dá pra se realizar nada! Obrigada pela visita! 😀 bjs

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  4. Vulgo Emilie disse:

    como ia dizer que brasileiro lê, sim, e você respondeu isso no post – só me resta confirmar. olha, você falou de uma questão importante: o preço. vira um círculo, né? as editoras cobram um preço salgado porque tem que cobrir as tiragens, e as pessoas não compram porque não tem dinheiro. dura realidade. sim, o governo deveria agir com relação a isso também (e ainda sou da ideia de que deveriam ter mais bienais).

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    1. Alessandra Bastos disse:

      Sim! Nesse círculo vicioso de mercado, atualmente temos duas saídas viáveis -> ou de repente todo mundo tem a renda boa e pode comprar os livros com os preços que estão, ou o governo tem que intervir com alguma política pública! É uma coisa de doida, irracional do ponto de vista social, mesmo que tenha lógica em termos econômicos… E concordo com você que deveriam ter mais bienais, mais eventos literários de grande porte! 😀 obrigada pela visita! 😀

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  5. Fernanda Rodrigues disse:

    Democratizar a leitura faz-se necessário e é um processo complexo porque passa por várias áreas. Formar professores, bibliotecários, baixar o custo dos livros, incentivar o uso de bibliotecas públicas, mostrar a importância para as famílias (porque infelizmente conheço relatos de professoras que não podiam mandar os livros dos alunos para casa, porque os pais se desfaziam). Tudo é um processo. O bom é que a internet tem ajudado a disseminar informação neste sentido – haja vista o número de blogs literários e redes como o skoob, por exemplo.
    Espero que nós consigamos reverter este quadro de quantidade de leitura em breve. E que haja cada vez mais eventos como a bienal para aproximar leitores de autores, porque isso também é uma forma de incentivo.

    Beijos,

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    1. Alessandra Bastos disse:

      Sim, Fê! É um processo muito maior para baixar o preço dos livros, para incentivar e criar esse hábito de leitura, até mesmo para variar o que é publicado e dar mais chance aos diversos tipos de escritores que não se enquadram nas linhas típicas do mainstream. Acho que aos poucos, com esforços e sobretudo com a ajuda da blogosfera, essa realidade literária brasileira vem mudando, e isso é tão legal de assistir e participar! 😀 obrigada pela visita! *-*

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  6. Carol Rodrigues disse:

    È por essas e outras, que eu vejo a eterna necessidade de programas de incentivo à leitura!
    Não sei de onde você é, mas recentemente no RJ re-inaugurou uma biblioteca que era mega abandonada. Agora ela é um SUPER polo de cultura. Serio, ficou um MUNDO de linda.
    E daí que é sempre movimentada, MAS, os adolescentes e jovens ocupam MUITO mais os cumputadores com internet do que as prateleiras de livros. nunca tem um computador livre pra vc fazer uma pesquisa, mas mesa de leitura sempre tem.
    Nunca tem sofázinho livre nos “quiosques de dvd”, mas nas mesas de leitura sim.
    A biblioteca é um espaço maravilhoso, mas muitos que lá frequentam não parecem interessados nos livros… 😦

    Fugi do que eu ia comentar, mas ok, foco não é pra todos hahaha

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    1. Alessandra Bastos disse:

      Hahahahahahaha que nada, destes um exemplo empírico do assunto que estamos discutindo 😛 mas olha, que legal essa ideia de renovar a biblioteca! Realmente é uma pena que os livros sejam a coisa menos procurada, talvez com algum incentivo, algum evento especial da biblioteca para chamar a atenção pra isso, as coisas poderiam mudar? Quem sabe né… O importante é ideias assim se disseminarem! 😀

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  7. May disse:

    Lembro de ter feito um comentário desses, bem parecido, no facebook outra vez. Eu sempre fui do tipo que fala – mesmo que ninguém concorde ou queira ouvir – que a chave para a solução desse país é a educação, e é bem claro pra mim que, enquanto a maioria dos parlamentares que estão no congresso no país não sair, nada mudará, simplesmente porque é fácil ter um povo LAICO, é mais prático de dominar e não se tem risco de revoltas. Mas, deixando essa questão política de lado, também sempre disse, e concordo muito com você, que ler é uma questão de hábito e incentivo. Brasileiro não lê porque não foi incentivado. Experimente fazer uma grávida ler para seu filho desde sempre, e ler para ele logo em que nascer, mantendo esse hábito até ele tornar-se adulto, que tenho certeza que esse ser humano lerá até o fim de seus dias. A questão é essa, é preciso incentivar, é preciso mostrar que ler não é chato, e que cada um tem um gosto. Sejam clássicos, atualidades, jornal, revista, livros infantis, romances, eróticos, fantasia, gibis ou mangás, qualquer gênero literário é LEITURA e te acrescentará algo.

    Acho que era pra ser só um comentário, mas também fiz parte do manifesto.

    Beijão,
    May :*

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    1. Alessandra Bastos disse:

      Ai, fico super feliz de ver que fizestes parte do meu pequeno manifesto, hahaha sim, é muito mais fácil comandar – ou fingir que comanda – um povo desinformado e que não questiona decisões ou acontecimentos – que não tem a capacidade de refletir sua própria realidade de forma séria porque não tem os instrumentos ou a motivação pra isso. E uma das motivações vem exatamente da literatura. Também sou que nem tu, acho que desde que desperte o interesse da pessoa, não é necessário catalogar boa e má literatura, geralmente pondo os clássicos como a única coisa que presta nesse mundo e desprezando as outras formas. É claro que tem a preocupação com determinados tipos de leituras que trazem visões equivocadas, mas tudo pode ser discutido e redirecionado. O que precisamos, em primeiro lugar, é fazer com que mais e mais pessoas gostem de ler. É modificar a realidade! 😀 obrigada pela visita!

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  8. Vitor Costa disse:

    Muito interessante o tema abordado. Concordo contigo em relação à falta de incentivos para a leitura, acho que deveria ser um hábito mais valorizado no país. Além disso, o que ajudaria nesse contexto, seria diversificar os livros utilizados nas escolas para que a literatura não se torne refém do tempo, pois a obrigatoriedade de se ler sempre os mesmos clássicos, às vezes, diminui o gosto pela leitura em muita gente.
    A leitura, sobretudo, deve ser um prazer.

    O Mundo Em Cenas

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